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A falácia da “gratuidade” em nome da justiça social.

Por: Marcel di Bernardo.

Ano após ano o preço da passagem do transporte aumenta. O pessoal socialista do Passe Livre protesta querendo transporte público, gratuito e de qualidade. Honestamente, acho que o MPL tem um bom motivo para protestar, afinal, o transporte é caro e de baixa qualidade. Mas será que lutar por gratuidade é realmente a saída?

Imagine o seguinte: você tem um ônibus e transporta 10 pessoas. Cobra 3 reais de cada um, logo tens 30 reais. Com esses 30 reais, você paga a gasolina para fazer o trajeto e ainda garante a margem de lucro que não será estipulada simplesmente ao seu sabor (se fosse, escolheria margem de lucro de 800 trilhões por cento), mas sim pelo quanto a demanda está disposta a pagar pelo seu serviço e quanto é o custo que tens para fazer o negócio funcionar de maneira sustentável. Então para poder se manter, digamos que você precise de uma margem de 25%. Menos que isso não é um negócio atraente e que te mantenha.

Só que aí o governo decide, à partir da pressão que recebe do Movimento Passe Livre, criar uma lei e agora tem dois usuários que devem contar com seus serviços, só que de graça. Ora, essa lei não altera em momento algum o fato de você continuar a necessitar dos 25% de margem de lucro, também não reduz seus custos. Eles continuam exatamente os mesmos, independente dos “direitos” de terceiros. Então, para continuar cobrindo o seu custo e mantendo a mesma margem, os 30 reais que ganhava terão que ser mantidos. Veja, aqui eu nem falo sobre aumentar o lucro, apenas manter!

Antes, para você conseguir seus 30 reais, dividia por 10 (número de passageiros) e dava 3 reais para cada um. Mas agora, com a nova lei que oferece gratuidade para 2 passageiros, você deve dividir por 8. Sendo assim, os outros que não são contemplados terão que pagar 3,75 para os 30 reais serem garantidos. Os 8 que não possuem a regalia agora terão que cobrir o custo que antes era dividido por 10. Não tem jeito, benefícios para uns, obrigação para outros. Ou, se preferir, justiça social para uns, espoliação para outros.

Então imagine um jovem estudante no auge do vigor físico, trabalhando e tendo renda suficiente para pagar a passagem, mas não quer pois acha que possui um direito intocável de ser servido sem precisar pagar por isso. Se ele consegue a gratuidade, repassa o custo para um outro alguém que não é contemplado por direito algum. Por que ele e não outra pessoa? Qual o critério para decidir quem é beneficiado e sobre quem recai o ônus de pagar mais caro para manter o serviço funcionando?

Cito os estudantes pois, conforme a SPTRANS, 23,9% dos embarques realizados nos ônibus em São Paulo não têm cobrança alguma de tarifa, dos quais 10,3% são idosos a partir de 60 anos, 10,7% estudantes com passe livre e 2,9% entre portadores necessidades especiais e categorias trabalhistas, como policiais e profissionais dos Correios. Ou seja, o mais privilegiado é o grupo dos estudantes.

O número total de estudantes com passe livre subiu de 508 mil em 2015 para 1,1 milhão de beneficiados em 2016. Isso, além dos que gozam de meia tarifa. Hoje os estudantes representam 45% do total de passageiros que contam com isenção de tarifa. O crescimento das gratuidades entre os estudantes foi de 73% nos dias úteis.

Não bastasse a situação, aparece gente defendendo que o transporte deveria ser gratuito para todos! O famoso “público, gratuito e de qualidade”. Só que se for gratuito para todos, de onde virá o dinheiro para pagar o motorista e o cobrador, assim como a manutenção do transporte? Ou será que eles devem ser escravizados, obrigados ao trabalho não remunerado? O dinheiro virá de onde?

A conta simplesmente não fecha. Vamos aos números:
O orçamento estimado para a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte em 2018 é de R$ 2.882.958.011. Até mesmo o socialista Fernando Haddad, quando prefeito, falou sobre a inviabilidade do Passe Livre para todos. Na época, ele afirmou que seriam necessários R$ 8 bilhões para que o Passe Livre total fosse implantado, o que corresponde a toda arrecadação anual do IPTU. Teria que aumentar significativamente a verba destinada para a área de mobilidade e transporte. Das duas, uma: ou vai ter que tirar de alguma(s ) pasta(s ), sacrificando algum setor ou teremos um enorme aumento superior a R$ 5 bilhões em impostos para chegar nesses R$ 8 bi.

Entramos em um enorme problema, com transporte caro e de baixa qualidade justamente por uns acreditarem em almoço grátis. Quanto mais grupos de interesses são contemplados com a tal gratuidade, mais o preço médio sobe para os não contemplados.

Resumindo: querer gratuidade só deixa o transporte mais caro. A única forma realmente eficiente para combater o contínuo aumento é permitir que a livre concorrência atue, aumentando a oferta do serviço e diminuindo o preço. Como esse modelo de livre concorrência de transporte funcionaria ficará para outro dia.

FONTES:

https://diariodotransporte.com.br/…/doria-confirma-que-vai…/

https://diariodotransporte.com.br/…/doria-preve-orcamento-…/

https://diariodotransporte.com.br/…/passe-de-magica-haddad…/

O Socialista e o Mito de Sísifo

Por: Marcel di Bernardo

É comum classificarmos o socialismo como utopia. Mas o socialista não se baseia em uma utopia. Muito pelo contrário, não há nada mais prático que a luta revolucionária. Por incrível que pareça, os socialistas pouco se importam em explicar como seria esse mundo socialista tão buscado, mas jamais encontrado ou vivenciado em sua plenitude. Marx escreveu muito pouco sobre. O Capital, sua Magnum Opus, não era sobre o socialismo, mas uma crítica ao capitalismo. Lênin não escreveu nada, idem para Stalin. Trotsky escreveu muito pouco. Os pensadores de Frankfurt também se resumiam a criticar a sociedade capitalista, mas nada tinham a falar sobre o socialismo.

Aliás, não haveria nada mais insuportável ao revolucionário que atingir a revolução. Caso fizesse, o sentido de sua tão intensa devoção, ao longo de sua jornada terrena, logo iria se esvaecer. O revolucionário não age para atingir um fim; age por agir. É a luta pela luta. É como um rato correndo em sua roda; o animal não sai do lugar, porém não é por isso que deixa de correr. Uma analogia melhor seria o mito de Sísifo. Na Mitologia Grega, Sísifo é um homem condenado pelos deuses a subir uma pesada pedra ao cume de uma montanha e, sempre próximo do topo, a pedra rola abaixo, forçando-o a recomeçar o árduo trabalho. Sísifo jamais verá a pedra no cume da montanha e, no final das contas, parece que isso pouco lhe importa.

Da mesma forma, ao revolucionário pouco importa se irá viver para ver a revolução. Sente-se feliz em ajudar a pavimentar a estrada e só. Quando se sente parte de um ideal, um propósito histórico, o efeito psicológico sobre o indivíduo é avassalador. Ao revolucionário, basta saber que faz parte desse processo e isso já o sacia. O grande problema não percebido é que ele está fadado a pavimentar uma estrada para lugar nenhum. É o caminhar sem fim. Isso o prende em um movimento que, uma vez iniciado, é difícil escapar.

É justamente por isso que os incontáveis fracassos do socialismo não causam abalo. O efeito é oposto! O fracasso anima o revolucionário ainda mais, afinal, é dado mais um motivo para continuar tentando e tentando e tentando… E assim, tal qual o amaldiçoado Sísifo, descer a montanha para começar sua tarefa tudo outra vez. Para Sísifo, atingir seu objetivo o deixaria sem propósito, já que sua existência se baseia exclusivamente em rolar a sua pedra ao cume da montanha, recobrando as esperanças a cada novo descer.

Eis a inutilidade de confrontar o revolucionário com fatos, provas, documentos históricos e uso da lógica. Não existe nada disso para ele, nada há além da práxis na práxis. Mostrar as inúmeras mortes causadas pelo socialismo, escancarar o horror promovido por Stalin, Mao, Pol Pot e outros, evidenciar o sofrimento e opressão causados na Polônia, Ucrânia, Rússia, Venezuela, Cuba, Coreia do Norte e etc de nada adianta. Como também não adianta falar para o petista que Lula foi condenado por 16 juízes e que há milhares de páginas contendo irregularidades e ilegalidades causadas por ele. O petista irá indagar: “Mas cadê a prova ?!”, para perplexidade de todos aqueles que se sustentam em fatos para formar opinião. Também não adiantaria avisar Sísifo que não haverá fim em seu ato, que estará confinado na continuidade incessante de algo irrealizável. O pobre homem, amaldiçoado que é, continuará seu percurso para sempre.

Com o tempo, Sísifo se confunde com a pedra que carrega. Ele é pedra. Para ele, não há existência divorciada da pesada pedra e de seu invariável movimento. O revolucionário, similarmente, se torna a causa que carrega, não havendo vida fora do propósito revolucionário. Por isso socialistas são tão obcecados, discutem e pensam 24 horas por dia em “desconstruir” a sociedade, dedicando exclusivamente suas vidas à causa.

O revolucionário não é capaz de absorver os elementos que constituem a realidade e refletir sobre seu próprio caminho em direção a lugar nenhum. Ele cria seu próprio mundo, onde estará fadado a repetir eternamente os mesmos erros. Ele é o Sísifo de nosso tempo. Mas que passe longe de nós! O psiquiatra Lyle Rossiter, com décadas de experiência na área, atesta firmemente: o esquerdismo é doença. Estou cada dia mais convencido disso…

PS: Não teria compreendido o modus operandi doentio da causa revolucionária se não fosse o professor Olavo de Carvalho. Apenas peguei sua análise e mesclei com o Mito de Sísifo. Creio que não há consideração mais cristalina sobre a psique socialista do que a exposta por ele.

Desconfie sempre de quem tem “pensamento social”.

Por: Marcel di Bernardo

Na Política (entendida aqui como a relação entre membros na polis) é comum ouvirmos que é preciso ter “pensamento social”. Além de ser um termo extremamente vago, no final das contas trata-se de uma armadilha que poucos percebem. É bonito falar assim, mas se a intenção é beleza, a sugestão é apreciar uma bela obra de arte renascentista.

Na Política e Economia não podemos nos encantar por palavras belas, mas verificar aquilo que funciona e aquilo que não funciona. A ideia de “pensamento social”, apesar de atraente, é irreflexiva e ingênua. Eis o motivo: não há a menor avaliação sobre a real esfera de atuação e influência do agente em questão.

É preciso, portanto, dar um passo para trás e avaliar qual a real extensão de atuação conforme as circunstâncias atuais de tempo e espaço. Em outras palavras, é preciso ter claro aquilo que se consegue realizar concretamente. Ora, sem conhecer os meios disponíveis para atingir fins planejados não há como sair do lugar. É preciso ter ciência daquilo que é objeto da ação concreta e aquilo que não é.

Ao nos depararmos com isso, o resultado costuma ser um baque, é desanimador, até angustiante perceber que, em geral, nossa esfera de atuação é tão limitada que só é possível a busca pela melhora da própria vida, quando muito da vida de familiares próximos. Então bater no peito se achando o paladino da justiça social e que pode mudar o mundo com alguns bordões e palavras de ordem é pura inocência de quem não abandonou a adolescência intelectual.

Por isso é tão comum ver cada vez mais gente falando da importância de salvar as baleias (alguém já meditou sobre o nível de dificuldade de salvar uma fucking baleia?!) ou lutar pela fome na África ou contestar algum tirano de algum país qualquer do Oriente Médio. Isso não exige sacrifício real da maioria das pessoas por não ser objeto da ação concreta dos agentes. Mas é menos frequente o “auê” pedindo auxílio aos necessitados que moram no mesmo bairro. Aquilo que está ao lado exige um mínimo de vontade. Problemas distantes e que você não pode resolver basta vociferar que o capitalismo é injusto e você ganha uma estrelinha dos amiguinhos do seu DCE.

Percebemos a razão pela qual é tão inútil termos “pensamento social” ou qualquer coisa do tipo sem antes reunirmos as condições de enfrentamento dos problemas mais simples do cotidiano. No fundo, não é coincidência que muitos paladinos da justiça social são pessoas problemáticas, com traumas de infância não resolvidos, má relação com familiares, comportamentos desordenados, instabilidade emocional et cetera. Elas não suportam o mundo real nem a ideia de que pouco podem fazer “pelo mundo”, por isso se refugiam em lutas abstratas com pouco ou nenhum feito tangível.

A conclusão, por incrível que pareça, é que as sociedades formadas por pessoas que mais pensam “no social” são as sociedades que menos prosperam, mais apresentam crescimento de pobreza, injustiça, falta de oportunidades, fome e miséria. Ao passo que as sociedades cujos indivíduos são preparados desde cedo a buscarem seus próprios interesses – dentro de princípios éticos, morais e normas de conduta bem definidas – são as sociedades mais prósperas, ricas e desenvolvidas. Fica o aviso: se encontrar alguém dizendo que “se preocupa com o social”, desconfie. Desconfie muito.

 

A ditadura silenciosa

Por: Pablo Diego Moura

Jamais. A censura dos tempos do governo militar é uma bodega perto do sistema gramsciano de controle das informações, uma multinacional autoritária. Esses 15 dias do Facebook de censura evidente aos conservadores e liberais, por si só, já coloca a chamada “ditadura militar” no bolso.

A diferença axiológica das duas censuras: uma manifestava-se ostensivamente, sem nenhum receio de mostrar a sua presença. Além de ter um alcance mero policial, sem nenhuma pretensão política ao longo prazo. A prova disso é que a cultura foi dominada pelos esquerdistas durante todo esse período.

A censura “amiga” manipula consciências ao longo prazo, é silenciosa e tem aos seus serviços, acadêmicos adestrados, uma imprensa criminosa e o politicamente correto como seu discurso preferido. Ela apaga pistas, ocultando do povo brasileiro durante 40 anos uma bibliografia conservadora e liberal. Agora, são quase 300 contas apagadas sem qualquer justificativa. Aliás, tem uma justificativa: o medo de Bolsonaro ser eleito.

Diante disso, proponho aqueles que estão gastando forças e tempo criticando nosso período do regime militar e sufrágio democrático, a traçarem um pequeno paralelo, em todo esse período histórico ate hoje: em qual deles mais tivemos nossa liberdade cerceada? Em qual deles mais tivemos nossos direitos podados em detrimento de privilégios para terceiros? Em qual deles, sofisticadamente e silenciosamente, o estado socialista mais intervém na liberdade individual de cada um de nós? Se as respostas a estas perguntas foram “HOJE”, faço-vos outra pergunta: não chegou a hora de olhar para o nosso real inimigo e gastar força e tempo para consertamos o que há de errado hoje, agora?! Não chegou a hora de esfregarmos o descaramento esquerdista que prega ditadura conceituada de liberdade na cara deles? A imprensa já falou sobre os homicídios cometidos pelas organizações de esquerda?

A ditadura amiga quer a sua alma através da desinformação, um termo essencialmente comunista. A palavra desinformação aparece pela primeira vez em russo: “desinformátsia”. Sabe o que significa? Era instrumentalizado pela Comintern — o comando do movimento comunista internacional — para designar o uso sistemático de informações falsas como instrumento de desestabilização de regimes políticos.

É a prática mais comum de dominar um povo. O Brasil é o exemplo disso. Deus salve o nosso país!!

A dicotomia esquerdista e a praga da parcela libertaria obtusa.

Por: Ederclay Lucas Silva

Se de um lado a esquerda tenta passar a propaganda fajuta que liberais, conservadores e libertários não devem reclamar do cerceamento da liberdade de expressão, pois o Facebook é uma empresa privada, e por apoiarmos a soberania da propriedade privada, não devemos tecer critica e apenas baixar a cabeça e aceitar silenciosamente esse ato imoral. Por outro lado há “libertários” que direta e indiretamente compram esse discurso e munem a esquerda vilipendiosa nutrindo não só o desrespeito à propriedade bem como ao principio básico de liberdade de negociação.

Desconsiderar princípios éticos e morais básicos que servem como pilares para teorias econômicas austríacas, é nada mais nada menos que um desrespeito aos nossos maiores teóricos.

Na sua primeira palestra dada na Argentina e que está na integra em seu livro “6 Lições”, Mises, já quebra toda essa falácia esquerdista:

“Certas expressões usadas pelo povo são, muitas vezes, inteiramente equivocadas. Assim, atribuem-se a capitães de indústria e a grandes empresários de nossos dias epítetos como “o rei do chocolate”, “o rei do algodão” ou “o rei do automóvel”. Ao usar essas expressões, o povo demonstra não ver praticamente nenhuma diferença entre os industriais de hoje e os reis, duques ou lordes de outrora. Mas, na realidade, a diferença é enorme, pois um rei do chocolate absolutamente não rege, ele serve. Não reina sobre um território conquistado, independente do mercado, independente de seus compradores. O rei do chocolate — ou do aço, ou do automóvel, ou qualquer outro rei da indústria contemporânea — depende da indústria que administra e dos clientes a quem presta serviços. Esse “rei” precisa se conservar nas boas graças dos seus súditos, os consumidores: perderá seu “reino” assim que já não tiver condições de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido por seus concorrentes.”

Em nenhum momento, qualquer teórico libertário, conservador ou liberal invoca algum tipo de principio divino que elimina o direito a liberdade de escolha ou a de tecer criticas a como as pessoas usam ou devem usar suas propriedades, principalmente aquelas que o fazem irracionalmente. Pelo contrario, para nós austríacos, e com razão os clientes são soberanos, são eles que determinam o que, quando e onde devem os empresários e empreendedores empregar seu tempo e recursos.

Portanto, criticar a censura que o Facebook esta impondo de forma arbitraria e inclusive ao arrepio do contrato, não é só valido, mas também necessário.

Para facilitar tal compreensão, bastar colocarmos o assunto em panos limpos. O Facebook nada mais faz do que dar-lhes acesso a uma plataforma que lhe permite comunicar-se e interagir com pessoas de varias localidades do mundo, essa plataforma é contratualmente grátis para vários tipos de serviços mais básicos. Quando você faz uma conta no Facebook, você assina um contrato, que basicamente explica as diretrizes que devem ser respeitadas enquanto o serviço for fornecido e houver interação entre cliente e servidor¹.

Esse contrato entre o cliente e o serviço deve necessariamente seguir o principio do “pacta sunt servanda”, esse aforismo jurídico quer dizer: pactos devem ser cumpridos.

Baseando-se nisso, o Facebook não só pode como deve ser criticado e cobrado por descumprir o contrato que fornece para os clientes.

Devemos também frisar a importância da isonomia jurídica, vulgarmente falada: “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Varias paginas e pessoas, com múltiplas contas, inclusive candidatos à presidência, propagadores de ódio “que defendem o comunismo, nazismo, socialismo, feminismo, aborto, muçulmanismo, politicamente correto”, estão ai propagando e disseminando inverdades, bem como corroborando para o cerceamento da liberdade individual.

Nunca antes houve tão silenciosa e invasiva ditadura, quem não percebe a jogatina politica por traz disso, esse sim, merece ter a liberdade de expressão cerceada, pois apela para obtusidade crônica.

¹ https://www.facebook.com/legal/terms

Como fazer uma nação pensar coletivamente

Por: Pablo Diego Moura

A reação anormal e doentia do Brasil aos seus melhores frutos é o maior rosto dessa província de verdade comunitária. Aqui não existe indivíduo, mas comunidade.

A explicação do declínio desse país faz-se presente no desprezo visceral ao Mário Ferreira dos Santos, Gustavo Corção, Olavo de Carvalho, Carpeaux, Bruno Tolentino e tantos outros nomes enterrados pela história.

Nós somos Chico Buarque, Caetano Veloso, Leonardo Boff… Somos o que eles pensam, porque somos sujeitos de comunidades e academias. Esse é o ponto. Pensamos como classe, não como indivíduo.

Qualquer respiro de independência está diretamente ligado ao apego irredutível à liberdade da consciência individual, contra qualquer compromisso fundado em comunidades acadêmicas, classes sociais ou de gêneros, ideologias ou política. É dessa experiência que brota toda grande literatura, todo grande pensamento e todo grande verdadeiro artista.

Há 50 anos somos inconscientemente padronizados para elegermos Caetanos ou Chicos da vida como geniais. Isso explica nosso ressentimento congênito, admiramos o medíocre e aplaudimos todos os tipos de fracassos.

A mentalidade revolucionária está presente em cada discurso, música ou obra. É uma inversão clara do tempo, interpretando o presente e o passado de acordo com um futuro hipotético, que nunca acontece.

Arte é a expressão de impressões. No Brasil temos impressões falsas de um tempo que não existe, de uma realidade criada e inventada, que só existe nessas mentes revolucionárias. O Robert Musil chamava de segunda realidade esse cenário em que nos encontramos.

Necessitamos de impressões autênticas para nos libertar de uma atmosfera cultural criada para nos aprisionar de ideologias e de futuros hipotéticos, impossíveis de se materializar. O nosso grande trunfo contra qualquer natureza de autoritarismo é o exercício pleno de cada indivíduo.

 

Algumas questões jurídicas III: O Xadrez e a Lei

Por: Alberto Guerra

Nos dois últimos posts tentei sintetizar a sequência de fatos e concepções que levaram o Direito ao estado de degeneração em que hoje se encontra. Saímos de sistemas altamente baseados em direitos individuais, na Lei Natural e nos costumes locais, passamos pela consolidação do Estado de Direito pós-iluminista que se atribuiu a tarefa de “fazer a lei” democraticamente, até chegarmos num sistema em que o Direito se tornou um emaranhado de conceitos indeterminados cujos significados (geralmente autocontraditórios ou incompatíveis uns com os outros) é “revelado” a gosto dos juízes, desconhecedores que são de limites às próprias aspirações megalômanas de organizar e consertar a sociedade.

Mesmo com o protagonismo das decisões finais do Estado indo para as mãos do Judiciário, a atividade dos legisladores nunca parou. Pelo contrário, ela é crescente e considerada benéfica pela população em geral, tanto que logo se põe a criticar os parlamentares que apresentam poucos projetos de lei, até que uma delas afete a própria esfera individual, quando começa a reclamar.

Á medida que a legislação se multiplica, que nos aproximamos de 14.000 leis federais, 10.000 decretos, milhares e milhares de leis estaduais e municipais que vão variando enquanto nos deslocamos pelo território do país, o princípio geral do Direito que enuncia que ninguém pode alegar em seu favor o desconhecimento da lei já não serve nem como uma piada sem graça. Abaixo dessa pirâmide faraônica de normas, jaz ainda um oceano de regulação que se apresenta na forma de resoluções, regimentos, portarias, instruções e atos normativos, provimentos, circulares, pareceres e uma infinidade de outras denominações, compostas por uma série de títulos, capítulos, seções e subseções, artigos, parágrafos, incisos, alíneas, itens e tabelas, expedidas todos os dias num fluxo asfixiantemente esmagador por agentes sem rosto, de uma burocracia certa de sua suprema capacidade de reger cada mínimo aspecto de nossas vidas melhor que nós mesmos.

Experimente fazer uma pergunta a um conhecido que exerce alguma profissão na área jurídica. Se essa pessoa tiver um pouco de autoconhecimento, há uma enorme probabilidade de que a resposta inicial seja evasiva como um “depende”, independentemente de qual tenha sido a questão. A resposta será ainda mais vaga se a pergunta for sobre a probabilidade de se ganhar uma determinada causa ou o tempo de duração de um processo. É comum entre os advogados dizer que temos uma loteria judiciária.

A verdade é que hoje em dia é impossível cumprir a lei, seja porque ninguém a conhece de fato, por ser ela permeada de conceitos indeterminados sem base objetiva alguma, ou ainda pelo fato de ser, em boa parte das vezes, contraditória.

Não é por acaso que a Lei, que deveria ter a função de, nos dizeres de Hayek, delimitar o domínio exclusivo de cada indivíduo, é uma imensa fonte de conflitos. O número de processos cresce a uma taxa superior a da população quando já temos um para cada dois brasileiros.

E talvez seja por já estar acostumado com essa situação absolutamente caótica que tive tanta resistência, quase um reflexo, quando conheci a proposta da Escola Austríaca.

Rothbard, ao reduzir todo o fenômeno jurídico à propriedade e suas implicações lógicas, me fez pensar que não seria possível que um mero economista se metesse a falar sobre algo que não tinha domínio, sem o conhecimento dos ramos e da história do Direito, da teoria das normas, da hermenêutica e da estrutura do sistema jurídico. Depois veio Hoppe com sua precisão ímpar e não havia mais meios para defender a configuração atual da lei.

A intersecção entre Direito e Economia, partindo do axioma da ação e do fato inexorável da escassez reestabeleceu coisas que a ciência jurídica já havia perdido há muito tempo: a precisão e a objetividade de seu método, por deixar sempre em evidência a relação intersubjetivamente verificável entre indivíduo e o mundo físico, por nos lembrar de que a consequência da aplicação da lei é o uso da força e resgatar a dimensão ética desse ato, o que torna muito difícil a relativização e a ambiguidade da linguagem (marcas características da experiência jurídica contemporânea).

Diz-se que todo indivíduo tem em si o conhecimento da Lei Natural, coisa que se confirma quando escutamos uma pessoa simples de um lugar remoto dizer: “o seu direito começa onde o meu termina”, talvez por isso o PNA ou “imposto é roubo”, da forma como são enunciados, tenham tanta aceitação.

Eu arrisco comparar a lei de propriedade a um jogo de xadrez ao contrário.

Um tabuleiro com casas muito bem delimitadas, cada uma representando um recurso escasso, e numa delas está colocado o rei (o corpo). O objetivo do jogo não é a destruição dos demais jogadores, mas sim o aumento da utilidade dos vários recursos disponíveis de forma pacífica.

Se você posiciona outra peça em um espaço vazio, aquele recurso passa a ser um meio para as suas ações, e você poderá utilizá-lo, transformá-lo, trocá-lo ou destruí-lo. Você não pode simplesmente dizer que está ocupando uma casa, precisa mover seu rei até ela e colocar uma peça.

Quando suas peças acabarem isto quer dizer que sua capacidade individual de se apropriar e gerenciar recursos acabou, mas você ainda vai querer aumentar sua riqueza. Nesse ponto você pode ter a ideia de invadir a propriedade de outro jogador sem seu consentimento, mas as regras dizem que você é quem perde uma peça se fizer isso.

A única maneira, então, de usar os recursos dos outros é cooperando com eles, fazendo contratos, buscando benefícios mútuos.

A vida em sociedade, numa sociedade onde vige a ordem natural, não deveria ter muitas regras além destas e das que os indivíduos criarem para si mesmos por costume ou por acordo.

A Lei hoje também é como um jogo de xadrez, mas o tabuleiro está todo pintado de cinza e as regras ocupam uma biblioteca inteira, com uma nota de rodapé na última página do último livro dizendo “o juiz escolhe o vencedor no fim da partida”.

 

Algumas questões jurídicas II: Positivismo e Pós-positivismo

Por: Alberto Guerra

No Algumas questões jurídicas I, eu havia dito que, após o iluminismo, o positivismo jurídico começou a ganhar força e a atividade legislativa passou a ser considerada a principal fonte da Lei. No início do sec. XX Hans Kelsen, com sua Teoria Pura do Direito, empreendeu uma análise lógica das correntes jusnaturalistas e da jurisprudência de então e concluiu que o Direito é composto exclusivamente por normas e que estas formariam um sistema logicamente coerente em que as inferiores deveriam ser compatíveis com as superiores, formando uma pirâmide encimada de uma “norma fundamental hipotética”, que daria validade a toda a estrutura.

Kelsen afirmou que qualquer tentativa de se buscar na ética uma norma jurídica passaria por um juízo valorativo do proponente, algo que seria arbitrário e logicamente inconsistente, inclusive resgatou a nossa velha dicotomia fato-norma, assim, a Lei não seria algo imutável e universal como defendiam os jusnaturalistas, mas um produto da atividade humana. A ciência do Direito estaria restrita a analisar a coerência e compatibilidade sistemática entre as normas hierarquicamente consideradas, sem qualquer apreciação ética quanto à justiça do resultado. O Estado, portanto, nada mais era do que a instituição emergente dessa aplicação das normas e dotado do poder soberano de criá-las e aplicá-las pelo monopólio da força.

Hayek, faz uma boa análise da evolução do Direito e dos efeitos do positivismo. Quando a Justiça era o cerne da Lei e da jurisdição, a convicção liberal de que o poder do Estado deveria ser limitado de forma a permitir o máximo de liberdade aos indivíduos ainda era um obstáculo consistente ao aumento da interferência estatal, porém, a partir do momento em que ética foi abandonada como ferramenta epistemológica do Direito, qualquer barreira ao crescimento do Estado não poderia mais ser defendida objetivamente e era tratada como mera opinião. O Direito deixou de lado o questionamento sobre o conteúdo da Lei e passou a se preocupar com sua coerência dentro do conjunto; a legislação, desde que proveniente do órgão competente e respeitado o procedimento estabelecido, era Lei, e assim seria imposta aos indivíduos.

Paralelamente, o socialismo despontava e deixava marcas profundas no Direito. A igualdade, a redistribuição e a engenharia social substituíram os antigos objetivos de defesa dos direitos naturais e solução justa de conflitos. Cresceu a noção de que benefícios concedidos pelo Estado à custa dos pagadores de impostos eram verdadeiros direitos sociais, direitos estes que, se não resultavam da própria natureza das coisas, eram algo a ser tomado pela luta de classes (democrática ou armada). O individualismo deu lugar ao coletivismo; agora grupos ou classes eram titulares de “direitos”. Até os contratos foram afetados com a teorização de “princípios sociais”, que podiam ser usados para negar o pagamento de uma dívida ou obrigar alguém a fazer algo a que não se comprometeu (o auge dessas teorias hoje é o chamado direito do consumidor).

Essa tendência socializante se cristalizou na Constituição do México e na Constituição de Weimar. É interessante notar que essas Constituições são idolatradas pelos acadêmicos do Direito, mas o fato de que ela estava em pleno vigor durante o Terceiro Reich e serviu de base jurídica para legitimar tudo o que Hitler fez sempre é omitido.

A história corrente é que o positivismo jurídico foi o substrato filosófico que permitiu todas as atrocidades do nazismo, afinal, tudo era feito mais ou menos conforme a legislação e não recebia questionamentos dos juízes porque ética e direito não tinham qualquer ligação. Essa história é parcialmente errada: primeiro, porque havia um movimento de resistência de juízes que se recusavam a executar certas crueldades justamente por não estarem estritamente previstas em lei ou em um decreto do Führer; segundo, porque já era conhecida a mais de um século a teoria da “judicial review” (a possibilidade de um juiz anular um ato do governo com base na Constituição).

Depois da constatação de que o desligamento entre Direito e Ética contribuiu para o Holocausto, o pós-positivismo foi uma tentativa de reaproximação. Essa corrente teórica tem inúmeras subdivisões, mas vou tentar listar algumas características essenciais.

A “ética” no pós-positivismo jurídico foi inserida por meio da divisão da categoria “normas” em “regras” e “princípios”. Uma regra seria um mandamento de definição, que funciona por um código binário (a regra foi cumprida/não foi cumprida, sem uma terceira hipótese); o princípio seria um mandamento de otimização, que segue um parâmetro para medir quanto do seu mandamento deve ser atendido. A propriedade e o direito penal são regras, ou você é proprietário de algo, ou não é, ou você cometeu um crime, ou não; a “função social”, a “igualdade”, a “liberdade” são princípios. Existe uma infinidade de autores que tentam estabelecer como esses princípios seriam encontrados, mas o pós-positivismo não deixa de ser positivismo, então o que prevalece é que um princípio seria algo “amplamente aceito pela sociedade” como um “valor superior”.

Esses princípios deveriam ser positivados na Constituição para ganharem um status hierarquicamente superior às demais normas e serem usados como parâmetro de controle. Os tribunais constitucionais seriam os órgãos legítimos onde o real significado da Constituição seria estabelecido.

O princípio mais difundido, positivado em praticamente todas as Constituições ocidentais criadas a partir da segunda metade do sec. XX, é o da dignidade humana. Ele costuma ser considerado o cerne de qualquer ordenamento jurídico, mas seu significado é o mais confuso e impreciso de todos. Sempre se parte da ideia kantiana de que dignidade é a ação autônoma do individuo na persecução dos próprios fins, mas logo se acrescenta que a dignidade também engloba a garantia de um “mínimo existencial” de recursos pelo Estado, além da prestação de serviços públicos e até a proteção estatal contra a ação voluntária do individuo que afronte a própria dignidade.

A Constituição, nesse ponto, perdeu totalmente o sentido liberal de ser um instrumento de limitação do poder estatal, passando a ser uma forma de se atingir o “interesse público”.

O resultado disso é que, nos dias atuais, o poder de decisão do Estado está concentrado inexoravelmente nos tribunais constitucionais, órgãos compostos por tecnocratas e engenheiros sociais que têm em suas mãos uma legislação repleta de conceitos indeterminados, vagos, que não se referem a nada correspondente na realidade. Esses juízes conseguem justificar absolutamente qualquer coisa e não se reportam a ninguém, nem mesmo são submetidos à democracia (a qual já sabemos ser, no mínimo, inútil ao que se propõe); não precisam se preocupar nem parecerem se importar com a opinião pública.

Se a Constituição não é mais uma limitadora do Estado, mas uma promotora do interesse público, ela também serve para “limitar os abusos dos direitos individuais”. Imagine a seguinte situação: você tem um bar e não aceita promoção de ideologia de gênero, mas um posmod quer fazer discurso lá dentro. É muito provável que um juiz diga que a “liberdade de expressão” e a “diversidade” devem prevalecer no caso sobre a “propriedade”.

O pior é o que acontece com a “dignidade”; ela é usada como fundamento para proibir a publicação de certas informações, para obrigar a publicação de outras, para prender e para soltar alguém, para validar aumento de impostos ou anulá-lo, para proibir o arremesso de anão e a vaquejada, para negar e permitir o casamento gay, para justificar o assassinato do bebê Charlie na Inglaterra, enfim, para qualquer coisa que for do interesse dos juízes da corte constitucional.

No fim, o pós-positivismo não tem nenhuma relação com o direito natural e consegue ser bem pior que o próprio positivismo puro de várias formas, representando uma imensa concentração de poder e o abandono de qualquer noção de justiça objetiva. No positivismo, a legislação poderia simplesmente mandar que o Estado tomasse a sua casa e desse aos sem-teto, mas deveria passar por um procedimento formal para isso; no pós-positivismo, um juiz pode fazer isso, ainda que a legislação diga que você é o dono legítimo, apenas dando uma canetada e citando algumas palavras bonitas como “igualdade”, “função social” e “dignidade”.

Algumas questões jurídicas I: Origem da Lei Civil.

Por: Alberto Guerra

O Direito Civil, que se ocupa das relações privadas entre as pessoas (contratos, propriedade, família e herança), tem origem no Direito Romano. Em Roma a noção de que a Lei era algo a ser descoberto (e não criado) era clara. Apesar da força do império a ordem natural e o direito consuetudinário local eram muito respeitados e tidos como o “material de trabalho” dos jurisconsultos, que tinham a função de encontrar a única solução naturalmente justa para cada caso.

A descoberta do Direito dava-se de maneira gradual, com a participação ativa das partes envolvidas no conflito e soluções que não ultrapassavam os limites da relação discutida, mas serviam como precedentes para casos posteriores. Bruno Leoni relata que, mesmo depois que foi dado aos juízes o poder de elaborar pareceres com força vinculante, tais documentos partiam de conflitos hipotéticos, mantendo-se a formação gradativa pela qual construía-se o conhecimento da Lei, embora isto já tenha sido uma degeneração do modelo primordial.

Justiniano compilou a produção jurídica até então existente no “corpus juris civilis”. A maioria dos analistas, observando a história com olhos de hoje, considera que esse corpo de leis era uma espécie de legislação, como se pode ver nesse artigo:https://jus.com.br/artigos/22969/corpus-juris-civilis-justiniano-e-o-direito-brasileiro

Acontece que o sistema romano era muito mais próximo à “common law” inglesa, que, apesar de não escrita, era mais estável e mais orgânica, focada no direito individual, como mostra Bruce Benson em The Enterprise of Law.

O Corpus, preservado pela Igreja, vigorou na região da Alemanha até que o racionalismo iluminista trouxe a tendência das grandes codificações. Acreditava-se que era possível prever e regular de antemão todas as relações humanas, cabendo ao juiz à mera tarefa burocrática de aplicar o texto legal à situação concreta. Nesse momento, a legislação escrita já havia assumido o sentido atual e o juspositivismo começava a ganhar força, sendo lentamente abandonada a convicção de que a lei era objetiva e algo a ser descoberto. Depois de Kelsen, o mainstream jurídico deu por sepultada definitivamente a ideia de Lei Natural, e a Ética perdeu totalmente a influência no Direito.

O que temos atualmente como Direito Civil é uma miscelânea do que Justiniano compilou do direito consuetudinário romano e do que ele mesmo criou, das transformações que isto sofreu pela experiência da Europa continental, das codificações do sec. XIX e da atividade legislativa que assumiu a engenharia social como um objetivo.

Ludwig von Mises e o Teorema de Regressão

Por Marcel Di Bernardo

Em 1912, Ludwig von Mises publicou a obra Theory of Money and Credit. Nesse livro, temos o Teorema de Regressão, onde o economista austríaco rastreia o valor da moeda até sua gênese, verificando o valor presente com base em seu valor passado e, desse modo, regredindo até o ponto em que a moeda era apenas uma mercadoria. Como o assunto trata do fenômeno do valor da moeda, logicamente deve-se inserir tal abordagem em uma teoria geral do valor.

Alega Ludwig von Mises (1953, p.462): “Deve ser possível para toda teoria geral de valor também prover uma teoria do valor do dinheiro, e para toda teoria do valor do dinheiro estar inserida em uma teoria geral de valor”.

Para compreendermos o exato momento em que uma mercadoria emerge como moeda em uma dada economia, devemos verificar a teoria de Menger sobre valor. Diz Menger:

“O valor é um juízo que as pessoas envolvidas em atividades econômicas fazem sobre a importância dos bens de que dispõem para a conservação de sua vida e bem-estar; portanto, só existe na consciência das pessoas em questão. É errôneo, pois, dizer que os bens são um valor, quando o correto é dizer que têm (ou não têm) valor(…). A objetivação do valor dos bens – quando, na realidade, o valor é por sua própria natureza algo totalmente subjetivo – muito tem contribuído para gerar a conclusão existente quanto aos fundamentos científicos da Economia Política. (…) “O que distingue um bem não econômico de bem econômico é o fato de o atendimento das necessidades humanas não depender da disponibilidade de quantidades concretas do primeiro, mas de quantidades concretas do segundo; assim sendo, o primeiro tem utilidade, ao passo que o segundo, além de utilidade, também tem para nós a importância que denominamos valor.” (MENGER, 1988, p.75-76).

Aplicando a teoria de valor à teoria monetária, diz Menger (1892, p.21) diz: “A teoria da moeda necessariamente pressupõe uma teoria dos graus de liquidez dos bens”. Diga-se de passagem, John Hicks (Apud BOIANOVSKY, 1992, p.83-84), um dos maiores discípulos de Keynes afirmou: “O que Menger tinha a dizer sobre liquidez é mais profundo que o que foi dito por qualquer outro antes de Keynes; na verdade, creio que é mais profundo que o que está em Keynes.”.

Conforme a explicação Menger (1892), o valor não advém de outro lugar senão da mente humana, daí seu caráter subjetivo, uma vez que cada indivíduo singularmente projeta suas necessidades aos bens econômicos. Sendo os bens econômicos dotados de utilidade e valor, e pertencendo a moeda ao universo dos bens econômicos, seu valor não pode ser construído isoladamente e de forma desconexa do valor de outros bens econômicos.

Fica fácil perceber, por esse ângulo, que o sal, por exemplo, pelas suas próprias propriedades, ao conservar os alimentos, é um bem amplamente desejado, portanto costumeiramente aceito nas trocas. Ocorreu o mesmo com lã, tecidos, cevada, trigo, até chegarmos aos metais, materiais leves para transportar e de fácil divisibilidade. Ainda de acordo com Menger:

(…) quando alguém trouxe bens não muito vendáveis ao mercado, a ideia mais importante em sua mente era trocá-los, não apenas por coisas de que ele precise, mas, se isso não puder ser feito diretamente, também por outros bens, que, embora ele mesmo não os quisesse, era, no entanto, mais vendável que o seu. Ao fazê-lo, ele certamente não atinge imediatamente o objeto final de seu tráfico, a saber, a aquisição de bens necessários para si mesmo. contudo, ele se aproxima desse objeto. Pelo caminho de uma troca mediata, ele ganha a perspectiva de realizar seu propósito mais seguro e economicamente do que se tivesse se limitado a uma troca direta. Agora, na verdade, isso parece em todo lugar ter sido o caso(MENGER, 1892 p. 34).

Diferentes bens possuem diferentes níveis de aceitação. Quando os agentes econômicos se dão conta disso, adotam o bem de maior grau de liquidez e as trocas indiretas se tornam mais comuns. Um homem que tinha tecido e queria trocar por peixe não precisava esperar alguém disposto a trocar diretamente o peixe por tecido. Ao perceber que o trigo tinha maior grau de liquidez, esse homem poderia trocar seu tecido por trigo e, após isso, trocaria o trigo por peixe, configurando uma troca indireta.

A percepção de diferentes graus de liquidez gera expectativas sobre o poder de compra que os agentes esperam obter ao se apossarem desses bens mais líquidos. Isso explica o porquê de uma mercadoria se tornar dinheiro e outras não. Porém, ainda havia uma dificuldade teórica: como evitar que a Utilidade Marginal aplicada ao dinheiro não incorra no problema da circularidade. Block e Davidson (2017) explicam tal problema:

“Afinal, como o dinheiro poderia ter utilidade marginal?”, perguntavam-se os economistas de então. Se a utilidade marginal fosse aplicável ao dinheiro, para explicar sua previsão de demanda seria preciso analisa-la em termos de todos os outros bens no mercado. Porém, se todos esses bens são valorados em termos de dinheiro, e o dinheiro é valorado em termos desses bens, tem-se aí, claramente um argumento circular – diziam. (BLOCK; DAVIDSON, 2017, P.87).

Para superar tal dificuldade, Mises, embasando-se na doutrina geral do valor de Menger, reconstrói retroativamente o caminho dos bens mais comumente valorados – portanto amplamente aceitos e usados como dinheiro – verificando quais bens eram mais urgentes à maioria dos casos e como nasceu o valor desses bens. A esse método de análise, Mises denominou de Teorema de Regressão.

“Mises conseguiu evitar o problema da circularidade introduzindo um elemento de tempo no argumento: o dinheiro é avaliado subjetivamente (em termos de outros bens) não por uma avaliação simultânea e subjetiva do preço de outros bens (em termos monetários), mas, em vez disso, com base nos preços objetivos já existentes. Dito de outro modo, o valor de troca subjetivo do dinheiro (para entesourar) no dia de hoje toma como ponto de partida os valores de troca objetivos de ontem. Esse é o ponto central do teorema. Menger fixou as bases para estabelecer as características técnicas do dinheiro, mas a contribuição de Menger não explicava como o dinheiro obtinha o seu valor (subjetivo)” (BLOCK,; DAVIDSON. 2017, 87).

Cabe uma explicação sobre “os preços objetivos já existentes”. Mesmo em um ambiente de trocas diretas (ou seja, sem que haja dinheiro), é possível estabelecer preços. Suponho que A tenha 300 gramas de trigo e pretende trocar por tecido e B concorde com os termos de troca. Então o preço do tecido é 300 gramas.

Eis a conexão da utilidade marginal e os graus de liquidez explicado pelo Teorema de Regressão de Mises. Os agentes trocam no presente um bem, baseando-se em seu valor passado e esperando, conforme o histórico apresentado do bem em questão, que seu valor será mantido em momento posterior. Por esperarem que esse bem mantenha seu valor, é possível estabelecer a medida de valor através do tempo. Então não seria obrigatoriamente a imposição do Estado a compor a unidade de conta – como parece sugerir Knapp (Teoria Estatal da Moeda) e sim o fato de que os bens imprescindíveis aos indivíduos hoje, o foram ontem e a tendência é que continuarão a sê-lo amanhã.

Se o grau de liquidez permanece constante ou com baixíssimas oscilações no decorrer do tempo, é dispensável um ato coercitivo estatal intencionando impedir que os agentes mudem seu temperamento e avaliação inexplicável e repentinamente sobre a importância de um determinado bem. O sal era um bem muito precioso e não havia razões para acreditar que simplesmente de repente deixaria de ser, uma vez que suas propriedades permaneceriam exatamente as mesmas. Igualmente a isso se aplica as demais mercadorias que posteriormente viriam a desempenhar seu papel como dinheiro, como os metais ouro e prata.

Ainda sobre a relação entre meio de troca e unidade de valor, Knut Wicksell afirma: “Não há dúvida de que uma mercadoria que serve de meio de troca também se utiliza como medida de valor em transações de bens e serviços que se realizam num período próximo ou simultâneo”. (1986, p. 166). É perfeitamente plausível, como demonstrou Menger, Mises e Wicksell, a moeda exercer a função de unidade de conta através das leis do mercado, embora há de convir que o reconhecimento jurídico possa colaborar para formalizar qual a medida de valor será considerada nas transações. Portanto, o fato de um bem possuir, por suas próprias características, maior liquidez (meio de troca) gera confiança nos agentes quanto a preservação estável do valor do bem em questão, se tornando referência para a formação de preços (unidade de conta) e tal referência se mantém constante ao largo do tempo, possibilitando entesouramento para trocas futuras (reserva de valor).

Conclusão

Carl Menger demonstra que só é possível compreender o surgimento da moeda se tivermos em vista os diferentes graus de liquidez das mercadorias. Estas, por sua vez, entram em uma espécie de seleção natural, onde a mercadoria de maior liquidez será a sobrante no processo. Nesse ponto, tal mercadoria emerge como dinheiro, sendo possível seu rastreamento através do Teorema de Regressão proposto por von Mises.

Referências
BOIANOVSKY, Mauro. Hicks, Hayek e a dinâmica monetária wickselliana. Revista brasileira de economia. Rio de janeiro, v.46, n.1 pp. 77-95, Janeiro-Março. 1992. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/544>. Acesso em 01/07/2017.

BLOCK, Walter; DAVIDSON, Laura. Bitcoin, o teorema da regressão e a emergência de um novo meio de troca. MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia. Volume V, Número 1 (Edição 9), 83-98, Janeiro-Junho 2017. Disponível em: https://www.misesjournal.org.br/misesjournal/article/view/43/9. Acesso em 01/07/2018.

MENGER, Calr. On the Origin of Money, The Economic Journal, Vol. 2, No. 6, pp. 239255. 1892.

MENGER, Carl. Princípios de economia política. São Paulo: Nova Cultura, 1988.

MISES, Ludwig von. The Theory of Money and Credit. New Haven: Yale University Press, 1953

WICKSELL, Knut. Lições de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1986.